sábado, 12 de setembro de 2009

Crônica de Fernando Brant

22 de setembro: início de primavera e ele estaria fazendo 60 anos. Os amigos iriam à sua casa, a Lelete prepararia um lauto jantar e, enquanto as coisas se aprontavam na cozinha, estaríamos todos, copos de cerveja nas mãos, em volta da mesa de sinuca. Nunca mais jogamos sinuca naquela casa da alameda dos Jacarandás.
Meu amigo francês, Philippe Lesage, me fala, de Paris, que comprou o primeiro disco dele (“de novo em CD, porque o LP eu comprei, por acaso, na França, em 1976, e fiquei, mais uma vez, etonnée da beleza: já tinha tudo, sua personalidade, seu talento, seu recado”). Corro e coloco para tocar aquele disco querido, início de uma obra densa e bela. “Palavras, palavras, palavras/ eu já não agüento mais/ você fala, promete e nada faz/ palavras, palavras, palavras/ desde quando sorrir é ser feliz?/ cantar nunca foi só de alegria/ com tempo ruim/ todo mundo também dá bom-dia.” A voz do artista comove, a voz do amigo dói fundo na alma e no coração.
Busco nos antigos escritos meus um texto que escrevi para o relançamento do LP Luiz Gonzaga Jr., quando o País se viu livre da censura e as canções puderam voltar aos ouvidos, às emissoras e às prateleiras de todo o Brasil. “Nos tempos do Garrastazu, Gonzaguinha já não era aprendiz. Tava tudo lá, tá tudo aqui. Quem sabe da vida sabe, não interessa que seja um menino. Interessa, sim, que continue sabendo quanto mais o tempo passe. Tava tudo lá, tá tudo aqui. As canções românticas, os boleros, o moleque, o brincalhão, o zangado, o sério, o político, o humano. O grande cantor e compositor.
O tempo passa com uma rapidez estonteante. Já são 14 as primaveras sem o companheiro de profissão, de reflexão e discussão sobre o Brasil e o mundo, de luta pelos direitos autorais. Que saudade de nossas peladas semanais, das novidades musicais que compartilhávamos, do telefone que tocava tão logo ele chegava em Beagá.
A distância faz com que a gente se acostume com a dor da perda, cicatriz que, de vez em quando, teima em sangrar. O passar dos anos, ao contrário, depura sua obra. Ouvi-lo nessa primavera de 2005 é atestar que o que ele compôs ficou cada vez melhor. Seus versos trazem verdade e consistência, não envelhecem, ganham força com o andar do mundo. As melodias têm uma vitalidade e harmonia que as faz imunes às modas. Eram belas e continuam belas. Grudam na memória e em nosso cantar como se feitas para ser eternas.
O que ele diria, hoje, do que se passa em nosso País, em nossa música? Sei é que, na última semana, no meio da noite de um hotel paulistano, ele me apareceu no sono. Me deu um abraço, nos abraçamos. Acordei com a impressão de que ele queria me dizer algo; ou era apenas uma mensagem longínqua de amizade? Era, com certeza, coisa boa, de amigo.


Publicada no jornal O Estado de Minas em 22/09/2005

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