sábado, 12 de setembro de 2009

Mais uma...


Diário do Nordeste/ Janeiro-2006
MÚSICAGonzaguinha tributo virtual
Conciliar poesia e melodia é talvez a mais complexa labuta da expressão artística. No caso de Gonzaguinha, a isso se incluem um punhado de críticas sociais que resultam num artista completo, transcendendo a temática do amor, lugar comum na música brasileira, e revelando em suas composições (e apresentações) brilhantes expressões do inconformismo. Assim garantem fãs como o paraibano Paulo Vanderley, criador, em Fortaleza, do recentemente remodelado site oficial do cantor e compositor carioca
Homenagear um artista do porte de Gonzaguinha exige grande responsabilidade. Com ótimo layout e navegabilidade, o site oficial do cantor merece uma visita de tarde inteira a passeio. Criado há oito anos, o site foi totalmente reformulado este mês, fruto do trabalho incansável e minucioso de Paulo Vanderley, com contribuição dos cearenses Jonathan Torres, Aldo Filho e Bênny Fernandes.
O resultado da pesquisa e coleta de material que já dura mais de 15 anos é um apanhado completo e em excelente qualidade da vida e obra de um dos nomes mais importantes da música brasileira. Quer um exemplo? Gonzagão, o pai, recebeu como homenagem póstuma um belo museu na cidade de Exu (PE). Na ocasião, nenhum veículo de imprensa esteve presente no local. Imortalizar aquele momento foi responsabilidade do Sr. Paulo Marconi, pai de Paulo Vanderley, um dos colaboradores do projeto. Gerente do Banco do Brasil em Exú no final dos anos 80, Sr. Paulo presenciou momentos históricos e teve o prazer de conviver com os Gonzaga, para ele “pessoas simples e admiráveis”.
Dezenas de fotos (algumas do making off para capa de discos), a discografia completa de Gonzaguinha, vinte arquivos em vídeo, como o da inauguração do museu do Gonzagão, e até o vídeo exibido pelo Jornal Hoje com imagens do carro após o acidente fatal que tirou sua vida estão disponíveis no site para visualização e download gratuitos. Segundo Paulo Vanderley, seu pai tem em arquivo mais de 10h de gravações inéditas e outros 20 trechos em vídeo serão disponibilizados no site até abril deste ano.
A vida de Gonzaguinha definitivamente não cabe numa matéria de jornal. Além do site como fonte de referências, está em fase de produção uma biografia completa do autor, sob responsabilidade da jornalista Regina Echeverria, que tem em seu currículo as biografias de Cazuza e Elis Regina. A previsão de lançamento é até o início de 2007. Os fãs agradecem.

SERVIÇO:
GONZAGUINHAMOLEQUE CABEÇA
Por fãs como Vanderley, Gonzaguinha é considerado o maior poeta engajado da canção brasileira de todos os tempos. Por conseqüência, um dos artistas mais injustiçados pela escassa cobertura da grande mídia brasileira. Mas não só por culpa dos veículos, já que durante quase toda sua carreira, Gonzaguinha foi conhecido pela autenticidade rasgada e expressão sisuda que disfarçava sua timidez.
O que poucos sabiam é que sua seriedade foi influenciada por uma infância difícil. Filho de Luiz Gonzaga, o rei do Baião, com Odaléia Guedes dos Santos, cantora do Dancing Brasil, Gonzaguinha ficou órfão aos dois anos de idade. A rotina de shows do pai obrigou-o a delegar a criação de Gonzaguinha a seus padrinhos, fato que deu margem a boatos que circulam até hoje sobre sua legítima paternidade.
A infância do “moleque Luizinho”, como era chamado, foi livre e um tanto sofrida pela ausência do pai, mas isso não fez com que deixasse de acreditar em seus sonhos e nas pessoas. Ainda aos 14 anos, compôs “From U.S. of Piauí”, que Luiz Gonzaga gravou anos depois. Porém já adulto, em 1979, o próprio Gonzaguinha constatou: “ele (o pai) não acreditava em mim pela minha formação, não tinha domínio sobre mim, temia que eu não virasse boa coisa”.
Contrariando as expectativas, em 1973, lançou o disco “Luiz Gonzaga Júnior”, cuja faixa “Comportamento Geral” merece absoluto destaque e reflexiva audição. Em meio à ditadura militar, Gonzaguinha teve coragem de alertar: “Você deve notar que não tem mais tutu / E dizer que não está preocupado (...) Você deve aprender a baixar a cabeça / E dizer sempre muito obrigado!”. Comportamento Geral foi uma desagradável alfinetada nos anos de repressão dos governos militares, especialmente do General Emílio Garrastazu Médici, e uma breve mostra das composições de duplo sentido e com teor verdadeiramente filosófico que ainda estavam por vir.
A ditadura exerceu grande influência na obra do questionador Gonzaguinha, sendo comum encontrar reflexões sobre liberdade, atitude (e sua falta), comodismo e resignação com a censura. Segundo os fãs, o DEOPS, órgão policial responsável pelo controle das ações dos “agitadores” durante a ditadura, proibiu o lançamento de várias de suas composições. Mas isso não o impediu de lançar, em 76, o “Começaria tudo outra vez”, cuja faixa “Eu nem ligo” revela a necessidade de bom senso na luta contra o regime: “Eles querem que eu / Me aborreça, estremeça / E me prenda nas cercas / Do seu circo mortal / Eu prossigo e não perco a cabeça / Vou traçando as palavras / Como eu quero e devo traçar”. Assim como em “Começaria tudo outra vez”, em vários outros discos é notória a expressão de sua insatisfação social.
O disco “Começaria tudo outra vez” tem, ainda, uma faixa curiosa. Apesar de nascido e criado no Rio de Janeiro, a influência da música nordestina nas composições de Gonzaguinha é inegável. A faixa “Erva rasteira” trouxe um estilo vocal próximo do repente, acompanhado por um forte baixo ao fundo, revelando a sonoridade típica do maracatu. Gonzaguinha mostra-se aqui visionário, já que a estética proposta por essa faixa, ainda na década de 70, é muito similar ao manguebeat, preconizado por Chico Science, nos anos 90.

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